Terapia hormonal e câncer de mama: entendendo os riscos e benefícios

A terapia de reposição hormonal (TRH) é uma das principais ferramentas para aliviar os sintomas da menopausa e preservar a qualidade de vida das mulheres. Ondas de calor, insônia, irritabilidade, secura vaginal e queda da libido estão entre os sintomas que mais interferem na rotina nessa fase.

Apesar de seus benefícios, a TRH ainda é cercada por dúvidas — especialmente sobre o risco de câncer de mama. Essa preocupação é legítima e precisa ser analisada com base em evidências científicas, não em generalizações ou medos desatualizados.


Entendendo a relação entre hormônios e o tecido mamário

O tecido mamário é altamente sensível aos hormônios sexuais femininos, especialmente ao estrogênio e à progesterona. Durante a vida reprodutiva, essas substâncias estimulam o crescimento e a renovação celular das mamas.

Quando a mulher entra na menopausa, a queda natural desses hormônios leva à redução do volume mamário e à substituição do tecido glandular por gordura. A terapia hormonal busca restabelecer parcialmente os níveis hormonais, o que pode, em alguns casos, aumentar discretamente a proliferação celular nas mamas — motivo pelo qual o tema requer cautela e acompanhamento médico.


O que os estudos mostram sobre reposição hormonal e câncer de mama

A discussão ganhou destaque após a publicação do Women’s Health Initiative (WHI), um grande estudo norte-americano que, em 2002, sugeriu um aumento do risco de câncer de mama em mulheres que usavam a terapia combinada (estrogênio + progesterona sintética).

Porém, revisões e análises posteriores mostraram que os resultados foram superestimados e mal interpretados. O aumento de risco observado foi modesto e dependente de fatores como tempo de uso, tipo de hormônio e idade da paciente ao iniciar o tratamento.

Hoje, sabemos que:

  • A terapia combinada (estrogênio + progestagênio) pode, de fato, elevar o risco após 5 anos de uso contínuo.
  • A terapia com estrogênio isolado (indicada para mulheres sem útero) não aumenta o risco e, em alguns estudos, até mostrou leve redução na incidência de câncer de mama.
  • O risco retorna ao normal cerca de 3 a 5 anos após a suspensão da terapia.

Essas descobertas reforçam que o impacto da TRH no câncer de mama é muito menor do que se imaginava há duas décadas — e que o uso criterioso, com acompanhamento, é seguro para a maioria das mulheres.


Tipo de hormônio e via de administração: o que faz diferença

Nem todas as terapias hormonais são iguais. O tipo de substância utilizada e a forma como ela é administrada influenciam diretamente na segurança do tratamento.

Estudos indicam que hormônios bioidênticos, que têm estrutura molecular idêntica aos produzidos pelo corpo humano, apresentam perfil de segurança superior aos progestagênios sintéticos utilizados em terapias antigas.

Além disso, vias não orais, como adesivos, géis e sprays transdérmicos, reduzem o impacto hepático e os riscos cardiovasculares, já que o hormônio não passa pelo metabolismo de primeira passagem no fígado.

A escolha da dose e da via deve ser feita individualmente, considerando o histórico familiar, o tempo desde a menopausa e a presença de outros fatores de risco.


Avaliar o risco individual é fundamental

Nenhum tratamento médico deve ser indicado com base em protocolos genéricos. Cada mulher tem um perfil hormonal, genético e metabólico distinto.

Entre os fatores que podem aumentar o risco de câncer de mama e, portanto, demandam mais cautela no uso de TRH, estão:

  • História familiar de câncer de mama (principalmente em parentes de primeiro grau);
  • Presença de mutações genéticas como BRCA1 ou BRCA2;
  • Obesidade e sedentarismo;
  • Consumo excessivo de álcool;
  • Uso prolongado e sem acompanhamento da terapia hormonal.

Mesmo em mulheres com fatores de risco, há casos em que a reposição pode ser indicada, desde que haja monitoramento rigoroso e avaliação contínua da relação risco-benefício.


A importância do rastreamento mamário

Toda paciente em terapia hormonal deve manter o rastreamento mamário em dia. A mamografia anual continua sendo o principal método de detecção precoce do câncer de mama, permitindo o diagnóstico em estágios iniciais — quando as chances de cura ultrapassam 90%.

Além da mamografia, em casos específicos, podem ser solicitadas ressonância magnética de mamas ou ultrassonografia, especialmente em mulheres com mamas densas ou histórico familiar relevante.

O acompanhamento regular com ginecologista e mastologista é indispensável. Essas consultas permitem ajustar doses, revisar sintomas e garantir que o tratamento continue seguro e eficaz ao longo dos anos.


Benefícios comprovados da terapia hormonal

Apesar do debate sobre o câncer de mama, a TRH continua sendo a terapia mais eficaz para o controle dos sintomas da menopausa, com benefícios amplamente comprovados:

  • Reduz ondas de calor, suores noturnos e insônia;
  • Previne a perda óssea e reduz o risco de osteoporose;
  • Melhora a lubrificação vaginal e a vida sexual;
  • Preserva a função cognitiva e o humor;
  • Contribui para a saúde cardiovascular quando iniciada precocemente (antes dos 60 anos ou nos primeiros 10 anos após a menopausa).

Portanto, a decisão sobre iniciar ou não a reposição hormonal deve equilibrar esses benefícios com os riscos potenciais, sempre de forma individualizada.


Conclusão

A associação entre terapia hormonal e câncer de mama não é simples nem universal. O risco existe em alguns casos específicos — principalmente com uso prolongado de terapia combinada —, mas não deve ser interpretado como uma proibição ao tratamento.

A evidência científica atual aponta que a terapia hormonal é segura e benéfica quando bem indicada, em doses adequadas e com acompanhamento médico regular.

Mais do que temer o hormônio, é preciso compreender o contexto de cada mulher. A decisão deve ser pautada em ciência, avaliação criteriosa e diálogo transparente entre paciente e médica.


Referências científicas

  1. Chlebowski RT et al. Estrogen Plus Progestin and Breast Cancer Incidence and Mortality in Postmenopausal Women. JAMA. 2010;304(15):1684–1692.
  2. Manson JE et al. Menopausal Hormone Therapy and Health Outcomes During the Intervention and Extended Poststopping Phases of the Women’s Health Initiative Randomized Trials. JAMA. 2013;310(13):1353–1368.
  3. Santen RJ et al. Postmenopausal Hormone Therapy: An Endocrine Society Scientific Statement. J Clin Endocrinol Metab. 2010;95(7 Suppl 1):s1–s66.
  4. Collaborative Group on Hormonal Factors in Breast Cancer. Type and timing of menopausal hormone therapy and breast cancer risk: individual participant meta-analysis of the worldwide epidemiological evidence. Lancet. 2019;394(10204):1159–1168.
  5. North American Menopause Society (NAMS). The 2023 Position Statement on Hormone Therapy. Menopause. 2023;30(8):928–949.

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