A prevenção do câncer do colo do útero evoluiu de forma significativa nas últimas décadas. Ainda assim, muitas mulheres chegam ao consultório com dúvidas legítimas: por que às vezes se pede o preventivo, em outras o teste de DNA-HPV? Um exame substitui o outro? Fazer os dois é excesso?
Essas perguntas surgem porque, embora ambos façam parte do rastreamento, eles avaliam coisas diferentes e ocupam momentos distintos dentro da estratégia preventiva.
Entender essa diferença é fundamental para evitar exames desnecessários, reduzir ansiedade e garantir um acompanhamento realmente eficaz.
O que o exame preventivo (Papanicolau) avalia, na prática
O exame preventivo, também conhecido como Papanicolau, analisa as células do colo do útero. O objetivo não é identificar o vírus em si, mas observar se já existem alterações celulares que possam evoluir para lesões pré-cancerosas ou câncer ao longo do tempo.
Essas alterações costumam ser lentas, levando anos para se desenvolver. Por isso, quando o exame é realizado de forma regular e dentro das recomendações, ele se mostra altamente eficaz na prevenção. No Brasil, as diretrizes indicam o rastreamento para mulheres entre 25 e 64 anos, com intervalo de três anos após dois exames anuais normais consecutivos.
O ponto central é que o preventivo olha o efeito final do processo, ou seja, se o colo do útero já apresenta mudanças celulares relevantes. Ele não identifica a causa direta dessas alterações, apenas suas consequências.
O que muda com o teste de DNA-HPV
O teste de DNA-HPV atua em uma etapa diferente do processo. Em vez de analisar as células, ele identifica a presença dos tipos de HPV de alto risco, aqueles associados ao desenvolvimento do câncer do colo do útero.
Esse exame não indica que uma mulher tenha câncer ou vá necessariamente desenvolver a doença. O que ele mostra é se existe uma infecção por um vírus com potencial oncogênico. Isso é especialmente relevante a partir dos 30 anos, quando a persistência do HPV passa a ter maior importância clínica.
Na maioria das mulheres jovens, o sistema imunológico elimina o vírus espontaneamente. Já em idades mais avançadas, a permanência do HPV por longos períodos é o principal fator de risco para o surgimento de lesões.
Por isso, quando o teste de DNA-HPV é negativo, o risco futuro é muito baixo, permitindo intervalos maiores entre os exames, geralmente de até cinco anos.
Por que idade e contexto clínico mudam a indicação
Um erro comum é imaginar que existe um exame “melhor” ou “mais moderno” que deva substituir todos os outros. Na realidade, a escolha depende da idade, do histórico ginecológico e da estratégia de rastreamento adotada.
Em mulheres mais jovens, o preventivo segue sendo uma ferramenta eficiente, justamente porque muitas infecções por HPV são transitórias e não exigem investigação adicional. Já a partir dos 30 anos, o teste de DNA-HPV ganha protagonismo, pois ajuda a identificar quem realmente precisa de acompanhamento mais próximo.
Esse raciocínio evita dois extremos igualmente problemáticos: o excesso de exames em mulheres de baixo risco e a falta de vigilância adequada em quem precisa.
Estratégias de rastreamento: tradicional x baseada em evidências atuais
Existem hoje duas abordagens possíveis, ambas respaldadas por evidências científicas.
Na estratégia tradicional, o preventivo é o exame principal. Quando surgem alterações na citologia, o teste de DNA-HPV pode ser solicitado para ajudar a definir a conduta, como a necessidade de colposcopia ou apenas acompanhamento.
Na estratégia mais atual, adotada progressivamente em vários países e já incorporada ao SUS desde 2023 em alguns contextos, o teste de DNA-HPV é utilizado como rastreamento primário. Se o resultado for negativo, o intervalo entre os exames pode ser maior. Se for positivo, o preventivo entra como exame complementar para avaliar o impacto da infecção nas células.
Essa abordagem permite identificar risco antes que alterações celulares apareçam, tornando o rastreamento mais eficiente e direcionado.
Fazer os dois exames ao mesmo tempo é sempre necessário?
Não. Em muitos casos, solicitar ambos sem indicação clara não traz benefício adicional e pode gerar ansiedade desnecessária. O mais importante não é a quantidade de exames, mas a coerência da estratégia adotada.
A prevenção do câncer do colo do útero funciona melhor quando é organizada, contínua e individualizada. Exames feitos fora do contexto certo podem confundir mais do que ajudar.
O papel da avaliação individualizada na prevenção
Histórico de exames anteriores, presença de fatores de risco, idade, resultados passados e acesso ao acompanhamento adequado são variáveis que precisam ser consideradas. Por isso, protocolos existem para orientar, mas a decisão final deve sempre levar em conta o contexto clínico de cada mulher.
Essa individualização é o que permite evitar tanto o excesso quanto a negligência — dois problemas comuns quando se trata de rastreamento ginecológico.
Em resumo: como entender essa escolha na prática
O exame preventivo e o teste de DNA-HPV não competem entre si. Eles se complementam dentro de uma lógica preventiva que evoluiu com o avanço da ciência. A escolha entre um e outro — ou a combinação dos dois — depende da fase da vida, do histórico e da estratégia adotada pelo serviço de saúde.
Mais do que decorar regras, o essencial é compreender que a prevenção eficaz não está em “fazer todos os exames”, mas em fazer os exames certos, no momento certo, com acompanhamento adequado. Informação clara reduz medo, evita excessos e fortalece o cuidado responsável com a saúde ginecológica.
